O
ser humano é sem duvidas o mais fantástico dos animais. Sem garras, presas,
veneno ou mimetismo, o homo sapiens
sapiens é a espécie dominante do planeta Terra, com índices populacionais
cada vez maiores e o único animal com domínio sobre as diversas ferramentas da
natureza, tais como o fogo que permitiu a manufatura de armas e ferramentas,
tornando assim sua vida mais fácil, tanto na caça, quanto em construir seus
abrigos e posteriormente uma sociedade. Graças a seus polegares opositores e
seu cérebro altamente desenvolvido o ser humano tornou-se o único animal dotado
da razão, raciocínio, reflexão, racionalidade, junto com essas qualidades, o
ser humano foi incumbido da árdua tarefa de viver em uma sociedade onde cada
indivíduo pensa por si só e de modos que podem diferir completamente de
indivíduo para indivíduo, saber como lidar com cada indivíduo é a chave para
uma sobrevivência de sucesso.
Dentro
da sociedade humana, encontramos mini sociedades, isto é, grupos menores e com
características distintas, tais como: família, trabalho, escola, grupo X e
grupo Y de amigos, sendo que cada indivíduo que faz parte de um grupo, e parte
de um determinado grupo, também faz parte de outros diversos grupos, cada qual
com interesses diferentes, contextos diferentes, criações diferentes e pessoas
diferentes, a questão colocada dentro dessa convivência com grupos é a
seguinte, como o mesmo ser humano se porta dentro de cada grupo? Qual a razão
que leva um filho a agir de um modo com seus pais e de outro modo completamente
diferente com seus amigos? Qual o motivo de um ser humano ser considerado
sapiente ou desprovido de senso sábio em determinado grupo social? Como pode a
mesma pessoa ser bem recebida em grupos completamente diferentes?
Não
é fácil para um ser humano ser sincero e verdadeiro em todas suas relações, seu
verdadeiro eu, sua verdadeira personalidade é uma pérola rara, preservada sob a
mais forte concha, protegida do mundo exterior e de todos aqueles que podem
utilizar de seus sentimentos mais profundos para os motivos mais profanos. A
razão permitiu ao ser humano desenvolver personalidade única, mas muito mais
que isso, a razão permite ao ser humano modificar sua própria personalidade
conforme a necessidade. Cada ser humano tem um conjunto próprio de máscaras as
quais protegem seu verdadeiro ser, sua verdadeira essência.
Para
entender como funciona uma máscara, vamos ver um trecho de Patrice Pavis
falando sobre a função da máscara dentro do teatro: “(...) a máscara é usada no
teatro em função de várias considerações, principalmente para observar os
outros estando o próprio observador ao abrigo dos olhares. A festa mascarada
libera as identidades e as proibições de classes ou de sexo”, ou seja, a
máscara é além de uma proteção para si, um modo de observar o outro, uma
máscara liberta seu usuário de julgamentos a respeito de seu caráter, nem
sempre uma ação expressa profundidade tal para que se possa julgar a
personalidade de alguém e é a máscara quem garante esse anonimato sobre a
personalidade de seu portador. “A máscara desrealiza a personagem, ao
introduzir um corpo estranho na relação de identificação do espectador com o
ator. Ela será, portanto, frequentemente utilizada quando a encenação buscar
evitar uma transferência afetiva e distanciar o caráter.”, em uma relação
estritamente profissional a máscara serve para criar esse distanciamento, ou em
relações baseadas em puro interesse, onde não se há desde o início a intenção
de criar vínculos com os demais envolvidos, do mesmo modo que a máscara em
sentido pessoal é uma defesa, nesse sentido a mesma passa a ser uma arma de
dissimulação.
Entretanto,
a máscara social é um vício, o ser humano em sua longínqua razão, aprendeu a
mentir e a levar sua mentira a um ponto tão elevado, que a mesma passa a ser
parte de seu cotidiano, algumas máscaras acabam por tornar-se parte da própria
personalidade do sujeito, assim o próprio criador acaba por confundir-se com a
criatura, tornando-se um ser hibrido, causando confusão entre si e entre os
demais que de fato conhecem o rosto por trás da máscara.
Michel
Foucault em sua obra “As palavras e as coisas” cita a obra de Cervantes “Don
Quixote”, onde o protagonista acaba por confundir-se com a máscara que cria e
passa a viver a mesma com toda a convicção de que vive uma verdade: “Assemelhando-se
aos textos de que é testemunho, o representante, o real análogo, Dom Quixote
deve fornecer a demonstração e trazer a marca indubitável de que eles dizem a
verdade, de que são realmente a linguagem do mundo.” De fato, carregar uma
máscara social é um fardo pesado e não há humano que não carregue alguma.
Somos
criados desde a infância com a cultura de que os demais seres humanos não são
confiáveis, e os demais seres humanos também ouvem o mesmo dentro e suas casas
desde seus leitos maternos, o que gera um ciclo imenso de máscaras para
proteção e máscaras para dissimulação. Novamente segundo Pavis: “A máscara
deforma propositalmente a fisionomia humana, desenha uma caricatura e refunde
totalmente o semblante.”, temos então, uma geração de humanos deformados por
máscaras criadas dentro de suas casas dentro de sua tenra infância, aliás, o
momento em que se deixa de ser criança é exatamente o momento em que começamos
a levar a sério nosso fingimento com o pretexto da máscara.
Somos
então as mais belas e fascinantes criaturas de todo o mundo, desde que, o
humano saiba e tenha a coragem de assumir o que tem por baixo de sua máscara
que o deforma ou na melhor das hipóteses que encontre um grupo ou pessoa que
tenha a perfeita distinção de onde termina a máscara social e onde começa o ser
humano, o que é um trabalho válido, pois quanto mais máscaras por cima da
personalidade do indivíduo, mais intocada e pura vai ser a pele do ator que a veste.
Bibliografia:
FOUCAULT,
Michel. As palavras e as coisas. Martins Fontes, 8° edição 3° tiragem. São
Paulo 2002. Tradução Salma Tannus Muchail.
PAVIS,
Patrice. Dicionário de teatro. Perspectiva, 3° edição. São Paulo 2007. Tradução
J. Guinsburg e Maria Lúcia Pereira.